Crítica | Nosferatu

 "Um clássico do cinema de terror repaginado, mas com a mesma essência" 

                                           Imagens/ Universal Studios

Fomos conferir a nova versão de um dos maiores clássicos do cinema de terror o remake de Nosferatu.
O diretor Robert Eggers, conhecido por sua habilidade em mergulhar fundo nas complexidades históricas e psicológicas, traz uma reinvenção impressionante do clássico de terror de 1922, Nosferatu, de F.W. Murnau. Esta versão, ambientada no século XIX, é mais que uma mera atualização de uma obra-prima do cinema mudo, é uma exploração contemporânea de temas universais que transcendem o terror, como a repressão, o desejo, a moralidade e a doença mental.
Cada quadro do longa é arquitetado de forma a relembrar uma pintura gótica, assinando uma carta de amor ao material original (literário e cinematográfico); e, enquanto sabemos estar em meio a uma história de época, o design de produção, o figurino e os outros elementos artísticos promovem uma deliciosa suspensão da realidade que promove uma atemporalidade imaginativa e sensorial. Como se não bastasse, a grandeza da produção traz pitadas de dramas shakespearianas ao dançar entre a lucidez e a loucura, promovendo um encontro entre drama, suspense, terror dosado com cuidado aplaudível.
                               
 Imagens/ Universal Studios
O ponto de partida da história é familiar, com Thomas Hutter (Nicolas Hoult) viajando para os Montes Cárpatas para negociar a venda de uma propriedade com o misterioso Conde Orlok (Bill Skarsgård). No entanto, Eggers vira a trama de cabeça para baixo ao dar mais profundidade à personagem de Ellen (Lily-Rose Depp), que não é apenas uma vítima passiva, mas uma mulher consciente de sua própria luta interna com a sexualidade, a repressão e o medo que Orlok desperta. A introdução de Ellen é inquietante, com a jovem sendo subjugada a forças invisíveis, criando uma conexão precoce com o vampiro que transcende o convencional "romance" com o monstro. Eggers resgata a essência do filme de Murnau, mas também subverte a tradicional dinâmica de poder, tornando Ellen o centro de sua própria narrativa.
 O Ator Hoult rouba um pouco os holofotes ao dar vida a Thomas Hutter o co-protagonista da trama que já havia aparecido no longa de 1922. Porém, aqui, o ator fornece uma complexidade apaixonante e histérica a esse agente imobiliário que se torna vítima de circunstâncias sombrias e terríveis. Tendo mais destaque no primeiro e no segundo atos, Hoult carrega emoções dilacerantes apenas com o olhar e com o tremular dos lábios.
                        Imagens/ Universal Studios
No núcleo do filme, encontramos uma reflexão sobre o que é a moralidade e de onde ela se origina. A sociedade trata Ellen como uma mulher instável, atribuindo sua angústia a doenças mentais enquanto ignora a verdade que ela tenta desesperadamente transmitir. O filme, então, se torna um comentário perturbador sobre como as mulheres, especialmente aquelas que desafiam normas sociais e expectativas, são vistas e tratadas. A repressão sexual é uma constante, e Orlok, com sua presença monstruosa e sedutora, se torna a personificação da opressão e do desejo reprimido. Há uma tensão palpável entre o desejo e a violência, com a personagem de Ellen lidando com uma realidade distorcida entre esses dois extremos.
 Bill Skarsgård, como Conde Orlok, oferece uma performance de arrepiar. Sua encarnação do vampiro é profundamente perturbadora, não apenas fisicamente, mas na maneira como sua voz e presença vão se infiltrando aos poucos, quase como um pesadelo que não sabemos se é real. A decisão estética de Eggers de tornar Orlok uma figura cadavérica e imponente, em vez de um simples monstro sedutor, adiciona uma camada de desconforto. O uso da fotografia sombria, com sombras tortuosas e uma iluminação que parece irreal, amplifica o clima de distorção e desespero.


                       
  Imagens/ Universal Studios

Fica bem evidente a nítida intensão do diretor em abordar a questão da doença mental é outra temática central, com Ellen sendo vista como "louca" ou "deprimida", mas Eggers e Depp transformam esse estigma em algo muito mais profundo. O corpo de Ellen, contorcido e invadido pela presença de Orlok, torna-se o campo de batalha onde se travam batalhas internas que ninguém mais entende. Eggers traz à tona uma reflexão sobre como a sociedade lida com o sofrimento das mulheres, especialmente quando esse sofrimento é invisível, e o faz de maneira tanto arrebatadora quanto perturbadora. A ideia de ser ignorado e diagnosticado erroneamente ressoa de maneira forte, fazendo o filme não apenas assustador, mas emocionalmente devastador.
 Um dos pontos fortes do longa é sua trilha sonora que ecoa o som do próprio mal, a repetição do suspiro e gemido de Orlok, e a alternância entre a realidade e o pesadelo transporta o espectador para um estado onírico. A narrativa visual, ao mesmo tempo, desconcertante e fascinante, parece flutuar entre o real e o imaginário, com Eggers utilizando sua câmera como um instrumento para nos puxar para o mais profundo abismo psicológico.

O filme também é um estudo de como os filmes de terror evoluíram, com Eggers não apenas rendendo homenagem ao Nosferatu original, mas também incorporando elementos do filme de Coppola de 1992, criando uma narrativa de amor obsessivo e perseguição. Isso torna Nosferatu não apenas uma reinterpretação, mas uma fusão de influências que ressoam no contexto contemporâneo, abordando questões de poder, desejo e controle.
 Em um ano de grandes lançamentos no gênero de terror, Nosferatu se destaca como um ótimo filme para quem gosta do gênero. Não é apenas um filme de vampiro, mas uma obra de arte profundamente inquietante, que combina o grotesco com o psicológico e o filosófico. 
 O longa entra em cartaz nos cinemas nacionais no dia 2 de janeiro, para quem curti filmes de terror com ótimas histórias é um prato cheio.







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